O Dia das Crianças foi ontem. Enquanto muitos comemoravam com brinquedos, festas e presentes, existe outra infância que ainda espera — em silêncio — por um presente que não vem em embalagem: vem em forma de abraço.
Em Cuiabá, oito casas-lares acolhem meninos e meninas afastados de suas famílias. Cada uma deveria abrigar até dez crianças, e há ainda uma casa especial para crianças autistas. Ali, o som do recreio é o mesmo de qualquer escola — mas o eco da espera é diferente.
Para Lindacir Rocha Bernardon, fundadora da Ampara — associação formada por pais e filhos por adoção — essa espera é real:
“Algumas dessas crianças, por razões diversas, tiveram que ser afastadas de suas famílias. Encontram-se em abrigos à espera de um abraço… à espera de uma família.”
Hoje, em Cuiabá, há 13 crianças disponíveis para adoção. Na maioria das vezes, são mais velhas, fazem parte de grupos de irmãos ou têm alguma deficiência. Nem todas as crianças abrigadas vão para adoção — muitas voltam para suas famílias de origem.
“As casas-lares buscam simular a família, com uma mãe social que cuida das crianças. Mas o grande desafio ainda é a rotatividade das equipes. Nosso sonho é implantar o serviço de famílias acolhedoras — um atendimento individualizado, com amor e vínculos reais.”
O projeto das famílias acolhedoras já foi sancionado na capital, mas ainda existem mitos e medos em torno da adoção:
“Há quem diga que adoção é demorada, complexa, ou que crianças adotadas são problemáticas. Mas toda criança traz em si dores e alegrias. Quando encontra uma família preparada, com amor e limites, supera as marcas que carrega. Eu costumo dizer: adoção não é tardia. Adoção é sempre oportuna.”
O trabalho da Ampara acompanha os futuros pais desde o pré-natal da adoção — um curso que prepara para os desafios da maternidade e paternidade — até o pós-adoção, com acompanhamento e apoio. É ali que muitos descobrem o verdadeiro sentido do acolher.
Camila Couto sabe bem o que isso significa. Há três anos, ela e o marido abriram a porta e o coração para dois filhos:
“Esse Dia das Crianças foi muito especial. Vai fazer três anos que nossos filhos chegaram. Hoje eles têm família, carinho, orientação. Mas o mais importante é o afetivo — o lugar de pertencimento.”
Na rotina em casa, cada descoberta é uma festa: andar de bicicleta, brincar na pracinha, observar uma lagartixa e rir de pequenas coisas. A adoção transformou não só a vida das crianças, mas também dos pais:
“Eles nos renovaram. Trouxeram alegria, disposição. E todas as noites, quando damos as mãos e fazemos a oração da família, a gente percebe: não podíamos ter escolhido melhor do que a adoção.”
Para Lindacir, histórias como essa mostram o impacto do trabalho de quem acredita que nenhuma infância deve ser esquecida:
“Essas crianças nos lembram que o verdadeiro sentido do Dia das Crianças vai além da festa. É garantir que todas tenham o direito de pertencer. De crescer num ambiente de amor e vínculos duradouros.”
No fim, a adoção é isso: um ato de amor e coragem, um encontro de histórias que se completam. Algumas crianças esperam por brinquedos, outras, por um colo que dure a vida inteira.